Há algo em José Régio que é completamente fascinante e metafórico. Não falo da sua poesia, que dessa conheço pouco e não tenho suficiente conhecimento de causa para dela falar. No entanto, há sempre umas quantas outras coisas que entretêm um poeta para além daquilo que lhes viria a dar nome e que conhecemos como poesia. Não se deve, no entanto, a isso, o interesse que José Régio demonstrou ter. A par da sua poesia, Régio, de entre outros ofícios, era colecionador. Arte sacra se quisermos, e pudermos resumir as suas coleções em duas palavras. Ex-votos, altares, pinturas e algumas outras coisas que a utilidade ou a falta dela deixou cair o nome em desuso. Salas inteiras cheias de peças e relíquias que lhe iam chegando às mãos e que por elas pagava, muitas das vezes, um balúrdio. Palavra empregue apenas por leigos no que sobre arte se possa falar, pois aos olhos de quem compra, nunca será um balúrdio ou mesmo uma despesa, ficará antes mais próximo de um investimento. Apesar de se estender esta sua coleção por vários andares, e de ser grande o aperto financeiro para suportar esta sua paixão, havia de ser num outro objeto que levaria Régio a demonstrar um dos traços mais peculiares da sua personalidade, e por certo, um dos mais curiosos. Este objeto, longe está de ser considerado uma peça de arte sacra, pelo menos desta arte sacra de tradição católica a que estamos acostumados. Uma cadeira reclinada de traços orientais que repousa por entre outras peças da sua coleção e por entre a mobília como se estivesse a própria cadeira a descansar do peso e do simbolismo que carrega sobre si. Uma cadeira não é, regra geral, um objeto que desperte demasiado interesse a um colecionador. Em primeiro lugar, porque, sendo a cadeira um objeto com uma função muito concreta, será preciso uma maior abstração para ser olhada como uma obra de arte de pleno direito. Em segundo lugar, e não menos importante, porque, sendo uma cadeira, está sujeita a ser alvo de cobiça para um curto repouso ou para uma estadia mais prolongada. Algo que, não se prenderá de maneira nenhuma com as estatuetas de Vénus, com Gioconda ou mesmo com A Fonte, que, depois de muito ter sido enxovalhada, lá encontrou o seu lugar ao sol, pois nestas obras, ninguém pensará fazer outro uso que não o de contemplar e refletir sobre elas. Mas esta cadeira, apesar de ser um objeto de exposição, encontra-se no meio da sala, num lugar onde poderia estar qualquer outra cadeira, vulgar, que o uso corredio não fizessem levar Régio as mãos à cabeça. Não tivesse tido esta um lugar especial na vida do poeta, passaria apenas por mais um particular objeto da sua coleção, ofuscado numa sala que apesar de não muito grande, está cheia de pormenores e detalhes de fazer desviar o olhar. No entanto, na coleção de Régio não há apenas uma destas cadeiras, mas sim duas. Quando as encontrou numa feira de velharias, não tinha dinheiro suficiente para comprar ambas. Levou uma e a outra foi de favor para casa de um amigo que a comprou com a condição de que esta ficaria para Régio assim que ele juntasse dinheiro suficiente para a comprar. Duas cabeças de dragão nos braços e inúmeros detalhes orientais, esta foi a mais cara relíquia adquirida por Régio para a sua coleção pessoal. As duas reencontraram-se mais tarde, assim que José Régio juntou dinheiro para agora a comprar ao amigo que dela tinha, entretanto, feito uso.