Desde há muito, muito tempo, quase tanto como introduções deste género, que remontam a um tempo não explícito mas que se situa deveras lá para trás, que os príncipes e as princesas habitam os contos e histórias de pequenos e adultos, miúdos e graúdos, que entretém a pequenada e também, não menos do que eles, os crescidos. O motivo monárquico é como que uma garantia de que uma história venha a ter sucesso, ou que pelo menos venha a ser falada e apreciada pelo público. A miudagem, na generalidade, parece apreciar toda e qualquer história que envolva uma certa família real de que o nome nunca se ouvira falar, que vive num castelo muito alto, e cujo reino fica remotamente localizado numa região, que por sorte, também nunca ouvimos falar. É, no entanto, questionável, se este gosto resulta de uma pré-disposição para contos sobre monarcas ou se, em alternativa, a estes se vão habituando depois de perderem a conta à enormidade de vezes que escutaram a mesma receita. Por entre o discurso e o natural desenrolar da ação, imensas hipérboles fazem o leitor ambicionar por momentos a rica vida de uma ou outra personagem.
Pois bem, não fossem as forças repulsas que parecem afastar os orgulhosos defensores e dedicados apoiantes da monarquia, daqueles que dão o corpo às balas pela república, não haveria, aparentemente, nenhum problema em juntar uma fórmula vencedora e simplesmente reproduzi-la de diferentes formas, em diferentes contextos para que os arranjos possíveis de monarcas não se pareçam com aqueles outros de que já ouvimos falar ou cuja história já havíamos lido anteriormente e, que por outras palavras, se dá hoje o nome de plágio ou cópia. Em todo o caso, não se tratará nunca de uma cópia quando por obra do acaso, uma certa monarca, invariáveis vezes pertencente ao género feminino, estando em apuros e por azar não ter por perto nenhuma das suas aias, nenhum criado ou cozinheiro, e não saber onde raio se enfiaram a governanta e o mordomo, precisar desesperadamente de ajuda, de um outro monarca ou de um moço da plebe, também invariáveis vezes do género, masculino, que aspire a conquistar e pedir a mão de tão bela jovem em matrimónio por tamanho e arriscado feito. De facto, não será preciso ir ao fundo do baú para perceber que a fórmula, com alguns cortes, ajustes e alguma mescla, é a mesma em quase todas as histórias de infância sobre príncipes e princesas, aplicada repetidamente.
Sobre estas personagens não recai qualquer problema sobre o facto de serem monarcas. Parece-me que do ponto de vista pedagógico, é até importante introduzir, com o peso e a medida adequado, histórias sobre princesas, reis, príncipes, infantes, rainhas e assim por diante. Afinal de contas, é também disto que é feita a história deste e de tantos outros países, e por certo se diz, que a melhor fonte de inspiração para um conto é a própria realidade. Entre um e outro estão os mitos e as lendas, de que também estão cheias as figuras monárquicas de Portugal.
A grande discussão em torno destas histórias é a enorme polarização no que respeito diz a papeis de género. Apesar destas estarem longe de serem as únicas histórias em que isto acontece, e por esse motivo não ser, de todo, algo intrínseco ao tema monarquia, é nestas que a fragilidade do género feminino se reflete com mais evidência. É por isso necessário fazer uma desprincesação das histórias. Não se trata de tirar o título de princesa ou príncipe a alguém, que esse sempre o terá como garantido, salvo alguma revolução ou abdicação. Trata-se sim de afastar a ideia de uma princesa associada a papeis de debilidade, fraqueza, de recato e principalmente de dependência para com alguém que a possa vir, eventualmente, a salvar um destes dias. As princesas não precisam, nem ambicionam ficarem com as suas vidas empatadas e à mercê da vontade de terceiros. Em contrapartida, os príncipes também não devem ser sistematicamente associados ao papel de guerreiros e salvadores, porque se for necessário que alguém seja salvo, o que eventualmente pode acontecer, e cuja ajuda queremos que chegue o mais rápido quanto possível, não terá de ser sempre alguém do género feminino, poderá também ser do género masculino, com igual legitimidade em ser ajudado por alguém que também não precisa invariavelmente de ser do género masculino. A fechar, o ideal seria aplicar um modelo que fosse mais parecido com o contexto atual ou com aquele que queremos ver no futuro, com um toque q.b. de fantasia e ficção que é sempre essencial, com monarcas ou sem eles, ou com monarcas e republicanos juntos à mesma mesa. Uma mesa composta por homens e mulheres que felizmente se salvaram sozinhos das histórias que lhes contaram quando eram ainda pequenos.