Havia de morrer em Lisboa um jovem poeta. Regressado de Durban fazia apenas três anos, e desembarcando na melancólica capital da saudade, Lisboa, este varão de instrução à inglesa, um verdadeiro gentleman, não durou o tempo bastante para percorrer todos os recantos daquela cidade sobre o Tejo que o vira nascer anos antes. Os breves anos que por aqui estivera não fizeram antever a vasta obra que deixou. Corria lento o ano de 1908 quando, em fevereiro, morre Alexander Seach. Moço de estatura média, fácies clara, que aparava a pouca barba que lhe começava a aparecer no queixo, e com um caminhar, impaciente e desassossegado, como se a tenra idade já tivesse posto nele tamanha amargura e ímpeto esforço. Sofreu como quem vive, não viveu senão o que de mais sincero há no mundo, a dor, o ódio, a luxúria e o medo. Por várias vezes trocou correspondência com o seu amigo, Fernando Pessoa, sempre em inglês e coloquialmente bem redigido. Chorou a morte de uma criança, uma imensa mágoa sobre a brisa marítima atlântica, irmã de Fernando Pessoa, Madalena Henriqueta que morreu a bordo do navio durante o regresso a Portugal. On baby’s death.
Por alguns anos, foi Alexander Search que escreveu todas as cartas, tornando menos iguais e longos os dias de Fernando Pessoa. Sempre em inglês, sempre carregadas de agonia e de um enorme afastamento entre ele e Deus, a Natureza, o Homem. Descontente com estes, havia Search de estabelecer um pacto com o diabo. A dois de outubro de 1907, Alexander Search assina o compromisso e passa para sempre a ser residente no inferno. Primeira condição, nunca esmorecer nem recuar no propósito de fazer bem à humanidade. Segunda condição, nunca escrever coisas sensuais, ou más a qualquer outro respeito, que possam lesar e prejudicar quem as ler. Terceira condição, nunca esquecer, ao atacar a religião em nome da verdade, que a religião dificilmente pode ser substituída e que o pobre ser humano chora nas trevas. Última condição, nunca esquecer o sofrimento e o padecimento dos homens. E tudo isto tinha que ver com o inferno. Este poeta e contista tinha um cartão de apresentação. Alexander Search, LISBON, Rua da Bella Vista (Lapa), 17, 1º. À data a rua coincidia com a de Fernando António Nogueira Pessoa. Lisboa tornara-se pequena para estes poetas e para os tantos que viriam a nascer nos anos seguintes.
Havia de nascer em Lisboa um poeta. Corria já adiantado o ano de 1888 quando, em junho treze, nasce, Fernando Pessoa, no quarto andar de um prédio em frente ao teatro São Carlos em Lisboa. Num outro quarto de um outro prédio nascia, no mesmo dia, treze de junho de 1888, Alexander Search. Dois poetas nascidos no mesmo dia, na mesma cidade e não consta que se tenham conhecido, nem sequer consta que se tenham cruzado durante os primeiros anos de vida de ambos passados ainda na capital portuguesa. Sobre se os passos de Search convergiram em algum momento com os de Pessoa, pouco ou nada pode ser dito. Imaginemos apenas dois poetas que estiveram tão próximos sem sequer saber que o estavam, sem se conhecerem, sabendo apenas que haviam de se conhecer anos mais tarde bem longe do sítio onde nasceram. Antes mesmo de Fernando Pessoa se começar a interessar pela literatura, já Alexander Search se interessava pela filosofia hermética. Escreveu sobre Alberto Caeiro. Um mestre. Search queria para si a filosofia de vida que Caeiro dizia não ter. Alberto Caeiro nasceu a dezasseis de abril de 1889, no ano seguinte ao do nascimento de Alexander Search. Os poetas presentes não duraram muito. Caeiro morre aos vinte e seis anos. O seu percurso ficou a meio. Dizem que só assim se conquista a eternidade, ficar a meio, não findar, deixar para um outro o misticismo de um poeta que não acabou.