Poeta da Modernidade

"Estou velho. Cheguei a uma idade complicada em que já não sei se é educação ou não quando me cedem um lugar sentado nos transportes públicos. Estarão a chamar acabado a este corpo deambulante sobre três pernas apoiado? Não preciso de ir sentado. Ir de pé é ir mais rápido e eu nunca gostei de olhar por cima de um ou outro jornal como fazem as pessoas sentadas. Ir sentado é demorar e eu não quero demorar. Não tenho tempo para ter tempo. Ser velho é ter opiniões. A monotonia dos meus dias são as pessoas sentadas. As que vão de pé são sempre diferentes, todos os dias. Não me obriguem a ficar grato pela vossa boa ação e ter de ir sentado. Não me obriguem a aceitar de bom grado o vosso lugar para que vocês próprios se sintam bem. Isso é que não! Não! Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los e saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. Afinal o que se leva desta vida é o que somos. Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Prossigo então. Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu. Quando me querem ajudar a atravessar a rua. Nunca me ajudaram a atravessar a rua. Realmente isso nunca aconteceu agora que penso. E também não sei se é educação ou não, se apenas um simples cliché de boa ação do dia. Boas acções do dia são para aqueles que por certo têm mais dias do que boas acções! Poupem-me! Também não quero ser ajudado! Apenas uma vez seria suficiente para eu me aperceber do quão ridículo é ajudarem-me a passar a estrada. Sou capaz de o fazer sozinho! Que maçada acharem que nem isso sou capaz de fazer! Não me ajudem a atravessar a estrada, tirem-me dela. Peguem-me pelo braço e arrastem-me sem piedade! Como a um louco! Como a um danado! E eu que tanto quis sentir não havia de chegar a esta idade sem sentir o desprezo por um homem inútil. Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Que embaraço ao trânsito é o meu passo lento e deambulatório! Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! E fico grato porque a pressa que tenho não é aquela que os outros têm. Não, não creio em mim.
Quando se referem a mim no passado. Passado ficaria eu se isso fosse ainda de importância! Fiz de mim o que não soube, e o que podia fazer de mim não o fiz. Pretérito perfeito dum raio! "Foi um grande homem.", "Fez muita coisa quando era novo.". Uma falta de educação é o que é! Como é que falam de mim como se eu já estivesse morto? Como se eu não pudesse vir a ser grande outra vez. Não poderei. Estou impedido apenas pela velhice e pelo cansaço. Não pela velhice por si só. Não pelo cansaço disto ao daquilo. Como se fosse um homem desta idade fazer coisa alguma! Fuma o seu cigarro enquanto sofre porque sofre enquanto vive. Se eu fosse importante, poderiam escrever a minha biografia quase completa. Poderiam redigir livros e artigos sobre mim e acrescentar a data da minha morte quando ela chegar. Se eu fosse importante o menos importante que eu teria seria a data da minha morte. Como não sou limito-me a sofrer da lucidez com a dignidade que se espera! Isso que tanto procuro e que tanto temo. Olho a tabacaria do outro lado da rua. Que pensará o universo do acelerar do meu coração? Que pensará o universo quando tudo isto se acabar? Dará ele conta ao menos da nossa passagem? Falhei em tudo. Como o universo. Ele morrerá e eu morrerei. 

Quando deixei de pensar em depois
A minha vida tornou-se mais calma -
Isto é, menos vida.
"