Apontamento sobre Refeições

Não ter televisão é um bom indicador de que uma refeição pode correr bem. Na verdade, uma televisão à mesa pode ser (ou já será mesmo) a intromissão mais subtil a que o ser humano já se encontra plenamente habituado. De mansinho nas salas, nas cozinhas e noutras divisões da casa, a televisão ocupa um lugar cativo que já só a ela pertence e que não se deixa facilmente substituir, a não ser pelos seus pares mais pessoais, telemóvel, tablets, que embora sejam aparelhos dados às comunicações, só vieram, contrariamente à função para o qual foram criados, dificultar uma comunicação fluida e um diálogo à mesa. Quanto à televisão, já não questionamos a sua presença, notamos pois a sua falta. Não nos incomodamos com o barulho dela por cima da nossa voz, notamos pois se estivermos a falar com plena ausência dos ruídos produzidos pela chamada caixa mágica. Gostamos de falar por cima dela, sobrepondo a nossa voz como uma autoridade. Algo que está tão intrinsecamente presente que diferente e estranha é uma realidade sem ela. A televisão tem vindo incessantemente a conduzir as conversas durante as refeições. Se idealmente a hora das refeições servia para conversar em família, com televisão essa conversa, que naturalmente continua a acontecer, é conduzida de uma determinada forma, mediada pelo conteúdo televisivo, sem que sequer demos conta. E mais do que isso, tem sido, não raras vezes, inanimado, estático, fixo, e ainda assim deixamos que seja este o único corpo com voz, que tome a palavra que deveria ser, por direito, nossa. Sejam elas mais pequenas, em formato de caixa, maiores, ou mais finas, vieram todas, por sua vez intrometer-se nas refeições à mesa. Como um de fora, que tem as suas histórias para contar e para partilhar.