O Carpinteiro


Esta é a história de um carpinteiro e da sua criação. Desiludido com o mundo, e depois de ter visto a sua última criação tornar-se num menino mentiroso, este carpinteiro decide construir agora algo capaz de mudar o mundo. Sabia que não o poderia fazer apenas com madeira e pregos como havia feito antes, por isso, utilizou peças de uns equipamentos eletrónicos antigos para construir a máquina. Já tinha pensado em quais as caraterísticas que queria ver na sua criação. Aquilo que queria que o seu robot fosse capaz de fazer.
Rapidamente chegou à conclusão de que a sua criação iria aparecer neste mundo da forma mais humana possível. Acreditava que por de entre toda aquela sucata, fosse capaz de fazer surgir algo que se assemelhasse ao que era de carne e osso. O carpinteiro não ambicionava superpoderes nem teletransporte, tinha pavor ao raio laser e aos infravermelhos. Não queria nada dessas coisas para a sua máquina. Na verdade, queria que a sua criação fosse capaz de fazer aquilo que os humanos estavam a fazer cada vez menos. Ajudar os outros, ser solidário, ser gentil, atencioso, prestável, amigo, disponível e tantas outras coisas que os humanos já quase não tinham tempo para ser...
O que o carpinteiro queria era melhorar o mundo, mas com gestos pequenos, acreditando sempre que devemos fazer por melhorar o nosso meio e que assim, podemos ser a mudança que queremos ver no mundo. Ao final de alguns meses a sua criação estava concluída e era altura de testar aquele monte de chapa com traços mais humanos que os dos próprios humanos. Passou a tratar o robot como o filho que nunca teve e que agora poderia, finalmente, ter.
O carpinteiro tinha aproveitado todas as funcionalidades da máquina e tirado proveito do facto de esta não precisar de se alimentar como os humanos, nem de dormir. Assim, durante o dia o robot acompanhava o carpinteiro e adquiria competências sociológicas, para além das que já tinham sido incorporadas nele durante o projeto. Durante a noite, enquanto o carpinteiro dormia, o robot arrumava a casa e ia explorando os seus recantos, mas, principalmente, lia e explorava cada coisa. Tinha necessidade de aprender e de querer saber mais e mais a cada instante.
Ao final de uma semana tinha digerido a informação de todos os livros da biblioteca do carpinteiro. Sabia agora muito sobre técnicas de carpintaria, mas também sobre filosofia, antropologia, ciências naturais, literatura, álgebra, geometria e muitos outros assuntos. O carpinteiro foi se apercebendo de que o robot aprendia mais depressa do que ele imaginava, mas nunca se desfasando das suas competências sociais, para o qual tinha sido criado.
Aos poucos, começou a sair de casa, falava agora com as pessoas, Boa tarde, Como tem passado?, Bem obrigado, Ora essa!, Com a licença, Faça favor.
Quando começou a sociabilizar, o robot foi confrontado com a necessidade de adaptar-se às situações e às pessoas com quem falava. Muitas não davam crédito a um monte de artilharia coberta com madeira, outras eram altivas e impetuosas com ele, assim como também o eram para as outras pessoas. O robot criado para ser gentil e amável estava agora a adquirir traços das pessoas com quem ia comunicando. Retinha cada palavra e cada expressão como se fosse uma criança a aprender a falar. Ele já conhecia as palavras do dicionário que nele tinha sido instalado, no entanto aprendeu a utilizá-las agora em diferentes contextos e ao final de uns dias assemelhava-se a toda e qualquer pessoa.
As pessoas tinham feito dele mais pessoa do que o carpinteiro alguma vez fora capaz de fazer. Estava igual a todas elas, não se distinguia. Desapareceu assim, como que diluído por entre os demais e não lhe voltaram a chamar robot.