História do Príncipe que Colecionava Bichos

Era uma vez um castelo rodeado por altos muros. Eram tão altos que, da janela mais alta, do andar mais alto, da torre mais alta só havia luz por alguns instantes em todo o dia. Tudo o resto era sombra, sempre sombra, uma penumbra tal que quase não se distinguia o dia da noite.
Todos no castelo tinham medo do que estava para além dos muros, e embora nunca ninguém tivesse ousado atravessá-los, contavam-se histórias de grandes tormentos e lendas dos enormes bichos que viviam para lá das muralhas do castelo. O medo tomava conta daquela gente.
Perdera-se a conta aos anos que passaram, desde o arremesso da primeira pedra, que viria a fortificar todo o castelo. Daí em diante, vários reis tinham liderado e protegido o reino das muralhas. O mais novo de toda a família real era o príncipe Joa. Com a sua tenra idade, ainda tinha curiosidade de saber o que havia lá fora, no horizonte e para além dele. Todos os outros, por entre histórias tenebrosas e incitações ao medo, acabaram, mais tarde ou mais cedo, por perder essa ideia da sua cabeça.
Um dia, ou noite, Joa volve ao terraço do castelo. Não era frequente ali estar por ser o lugar mais sombrio e destinado ao povo. Com as mãos, foi seguindo pelo muro fora tentando imaginar aquilo em que estava a tocar. Eram pequenos e redondinhos, pensou ele quando duas coisas minúsculas lhe foram parar à palma da mão.
Subindo as escadas de duas em duas, depressa chegou ao andar mais alto do castelo. Só lá conseguiria ver o que tinha encontrado. Com a pouca luz distinguiu uns bichos que se enrolavam e andavam ao redor da sua pequena mão. Com medo, depressa os sacudiu.
Seriam aqueles os temíveis bichos das histórias? Aquilo inquietou o pequeno príncipe, que desde então não pensou em mais nada. 
Todos os dias ia colecionando bichos. Deixou de lhes ter medo. Eram compridos alguns, outros não. Alguns tinham mais de oito patas e outros asas. Começou por separá-los em caixinhas, e depois a dar-lhes nomes. 
Continuou a ouvir, por muito tempo as histórias que todos contavam sobre as criaturas que rodeavam o castelo. Já não acreditava nelas. Parecia, que com o passar do tempo, as criaturas dos contos ficavam ainda maiores e mais temíveis. Uma ameaça crescente para todos eles, embora o castelo nunca tivesse sido atacado antes. 
Quanto mais tempo passava a colecionar aqueles bichos, mais se interessava por eles. Pensou em como nunca tinha visto os bichos das histórias, colossais e ameaçadores, e em como nunca lhe tinham falado dos bichos que ele já tinha visto.
Joa interrogou-se se as muralhas protegiam aquela gente das criaturas de fora, ou se protegiam as criaturas de fora das tolices e loucuras daquela gente. Sem pensar muito, libertou todos os bichos das caixas. Alguns voaram para além das muralhas, outros esconderam-se nos muros.
O Príncipe Joa deu àquelas criaturas, a liberdade que ele próprio não tinha. Dentro das muralhas a sombra e a escuridão perduraram. Quanto aos bichos, esses viveram felizes para sempre.