Crença

Um escritor português disse um dia, "(...) o planeta seria muito mais pacífico se todos fôssemos ateus." Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar como eu sou. O planeta seria muito mais pacífico se todos tivéssemos as mesmas crenças. Tanta gente se diz fazer isto e aquilo, tantos os que correm demasiado, que são sublimes só porque o são, que se deixam viver triunfantemente e aparentam nem dar conta disso. Galopantes como cavalos de corrida, bustos de corpo e vaidosos porque o são por natureza. Mas afinal, onde estão os fracos, onde vivem os cobardes, aqueles que passam sempre à margem disto e daquilo e que vão admitindo fazer aquilo a que alguns convencionaram chamar de blasfémia. É senão blasfémia bastante não admitir que qualquer um, por mais beato que seja, pratica blasfémias várias. Fórmula irredutível para o bem estar comum que não me satisfaz por completo mas que escrito, não serve para refutar a primeira afirmação mas para generalizar aquilo que poderia ser entendido como a ausência de diversidade de ideologias, um dos poucos caminhos para a tão procurada paz, e como parece ser inato à nossa espécie divergir com a diferença, não se diz que, O mundo seria muito mais pacífico se todos fôssemos tolerantes, tomássemos o diferente como igual, mas sim se todos fôssemos mais ou menos parecidos, que as diferenças por irrelevantes ou pequenas, fossem sempre tidas como benéficas e nunca como motivo de segregação. A ideia de ausência de ideias não me pode agradar em momento algum. Muito pérfida seria esta espécie se apenas estivesse em paz na ausência de diversidade e de crenças variadas. É humano demais ter fé e acreditar em transcendências e ver esperança em coisas não visíveis aos olhos humanos. Pensar é ser crente, que não há outro bicho que se aventure nestas andanças de ser mero joguete às mãos de um deus do qual pouco sabemos. Felizes daqueles que não se preocupam com estas questões. Que vêem no tempo, não mais do que o próprio tempo e que aceitam uma boa colheita, não por mão de deus mas porque se reuniram as condições para que a colheita fosse boa. Procurar um caminho, uma doutrina que nos diga afinal o que cá andamos nós a fazer, mesmo que esse caminho seja apenas uma possibilidade de entre vários caminhos, caminhos imensos que podemos considerar infinitos, mas que nem disso temos total certeza. Negar a fé que há em nós é tirar do homo sapiens sapiens quanto de humano se diz haver nesta espécie. Muito pouco seremos sem isso. Quando alguém se diz sem-deus, deixa num completo vazio a necessidade insaciável e quase carnal de acreditar nalguma coisa. E que tantos sem-deus fazem deuses seus outras tantas realidades mais ou menos palpáveis? Religiões fazem-se a um ritmo vertiginoso, num tempo em que se deixou de usar a palavra heresia. Caiu em desuso, - e bem -, esta e tantas outras que não têm hoje utilidade senão para as páginas dos grandes volumes da história mundial. Religiões fazem-se em estádios, em praças, auditórios, salas de aula e em tantos outros sítios. É um credo cada vez mais comum achar que são perigosas todas as crenças dogmáticas. Aquelas que enfileirem punhados de gente em direção a alguma coisa que não se sabe muito bem o que é. Mais perigoso ainda é não ver que essas tais crenças vão para além das paredes de qualquer edificação onde se diz ser a casa de um tal deus, todo-poderoso, divino, altíssimo, supremo e quantas características não humanas lhe pertençam só a ele. Crenças nascem em qualquer lugar, e nem sempre se lhes está associado um deus, será talvez este o maior perigo. Se temos religiões em forma de deus ou deuses, temos muitas mais que não se denominam assim mas que são na sua essência, iguais às tantas outras. E agora, onde está deus?

Dia de Reis

Não me puseram o nome Baltasar. Não me puseram o nome Gaspar, nem ousaram chamar-me Belchior. Vieram os três por sua ordem, cada qual com um presente para oferecer ao recém-nascido menino que havia despertado tal curiosidade aos reis magos. Passou a ser para sempre o dia de reis aquando da sua chegada, contavam-se seis dias do começo do ano. Acaso havia eu de nascer nesse mesmo dia, uns tantos séculos depois, dia seis de janeiro. E porque já se convencionou, por ocasião ou bom costume, por um nome alusivo ao dia de nascimento, eu poderia muito bem ser hoje homónimo de um desses reis, Gaspar, Belchior ou Baltasar. Desprezando regras e convenções do registo civil deste país que para efeitos de comunhão consideraremos que aceitariam qualquer um destes nomes. Também não me puseram o nome Reinaldo. Embora não conste que este dia seis se tenha assim chamado por obra de um Reinaldo, o prefixo rei que este nome tem o privilégio de possuir é por si só tentador. Indo ainda a outros reis, que não os magos, deste pais ou de outros, de agora ou de outrora, de qualquer dinastia, reais ou ficcionais, fica a lista de possíveis nomes bem mais extensa. Um enorme rol de Henriques, Joões, Sanchos, Pedros, Migueis, Filipes, Artures, Fernandos, Davides, Franciscos, Luís ou Carlos. Juntando os fictícios aos reais, Joffrey, Tommen, Robert ou Stannis. Ainda assim havia de ser outra a inspiração do meu nome resultado de influências do qual a existência eu próprio desconheço. Não remontaram a um tal poeta da escola de Epicuro e de Zenão de Cicio, médico que nunca exerceu, latinista de formação e amante da cultura clássica. Não me puseram o nome de Ricardo. Não o nome dele nem o próprio nome, que em verdade os poemas de Ricardo Reis não foram escritos por ele mas antes por alguém com o mesmo nome, como faz por explicar uma das leis de Murphy. Havia de ser outra a inspiração para o meu nome...