Átomos

Os átomos reuniram neste século, neste momento, para constituírem aquilo que eu sou hoje. É assim com cada um de nós. Certamente haverá uma ordem que por mais aleatória que seja, ditou que assim fosse. Hoje sou este, ontem fui outro que já não sou e amanhã outro serei. Essencialmente o mesmo, mas mudado em parte devido à matéria que me constitui e que muda a cada instante. Mudamos tantas vezes que se torna difícil definir aquilo que somos através da matéria que nos constitui. E mesmo essa matéria é uma ínfima parte, - quase infinitamente mais pequena - do restante espaço vazio que há em cada um de nós. Somos o vazio, pouco mais de matéria mas essencialmente isso. Depois de eu morrer, não serei mais nada senão uma reorganização dos átomos que outrora foram meus. Se é que posso considerar meus esses átomos que nada de mim levarão. Eles continuarão a ser átomos. Hão agora de ir ser outra coisa para um outro lugar, não importa o quê nem para onde. Na verdade não morremos, nem tão pouco nascemos, reorganizamo-nos apenas. Se todos nós somos estes átomos que sempre existiram ao longo da história, e que por bem continuarão a existir, muito mais velhos do que a idade que nos dão e que nos constituem, unidade básica de tudo o que existe, que parte de nós é afinal somente nossa? Existirá ao menos algo intrinsecamente nosso, que não é de mais ninguém? Algo que não faz parte de um todo, onde não há proprietários da matéria, nem daquela que nos constitui? Concluo portanto que não somos nossos, não nos pertencemos. Onde estariam os átomos que hoje carrego no início do século XIX? Será que alguma parte de mim participou nos teatros da antiga Grécia, no Cerco de Lisboa, nas Revoluções Francesas, na Caça às Bruxas, nas Cruzadas à Terra Santa, na Batalha de Alcácer Quibir ou até na Primavera Árabe? Estariam estes átomos numa outra parte do qual não reza nenhuma história nem se contam mitos nem lendas? Numa parte que embora não tenha sido nada no passado, constitui o que somos no presente? É interessante pensar na impossibilidade de dar resposta a estas questões, na História que carregamos connosco desde que nascemos, fragmentos que poderiam ter tido um papel decisivo e que nós não sabemos, nem nunca saberemos. Repetir-se-á a História por causa de no fundo envergarmos sempre os mesmos átomos? Por termos em nós fragmentos de biliões de outros? A história repete-se tanto como repetidos somos nós. Somos História. Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Disse-o Lavoisier envergando em si os átomos que o formavam na altura e que haverão de ir ter febre para outros cérebros do nosso século ou de séculos seguintes. Não se perde nada, nem nada se cria, tudo se reorganiza.