Lateralidade

Esquerda e direita, Direita e esquerda. Comecei por um e logo pelo outro para demonstrar alguma imparcialidade no que respeita a lateralidade. Em primeiro a esquerda depois a direita porque é neste sentido que se escreve, segundo as regras do alfabeto. Em segundo a direita e depois a esquerda, porque conforme a ordem alfabética, D aparece antes do E, pelo que coloquei a direita e só depois a esquerda, ou então, em alternativa, por ter sido o segundo e restante caso possível, uma vez que a sequência esquerda, direita já tinha sido anteriormente utilizada. Dos dois lados que astutamente somos capazes de designar por esquerda e direita, por questões eminentemente práticas de comunicação e orientação, sempre foi a direita o lado que reuniu maior favoritismo, não tivesse este como sinónimos as palavras, correto, íntegro, certo, justo e não fosse esta palavra designar também, de entre outras coisas, a mão que a maior parte da população usa para escrever. De facto, apesar de tão próximos e indissociáveis, os lados esquerdo e direito, não reúnem uma igualdade e apropriação que se esperaria que fosse de um meio para cada lado, bem divididas as coisas, mais ajuste, menos acerto. 
Carregado de uma simbologia mística, que associa a direita e a esquerda a dicotomias como bom e mau, luz e penumbra, sorte e azar, correto e errado e tantas outras coisas que fazem desequilibrar uma balança que se deveria manter sempre em harmonia, como o yin e o yang e que deixam o lado esquerdo em clara desvantagem e na posição menos favorável. As expressões que usamos sempre foram uma boa maneira de refletir sobre o que pensamos, ou pelo menos, de perceber como funciona a cultura na qual fomos embebidos. São mínimas as diferenças entre um e outro. Talvez num estejamos focados no individuo, e noutro, no grupo. No primeiro caso, assumimos a responsabilidade, e no segundo, temos a possibilidade de varrer a culpa para o tapete do vizinho. Quase como o tête-à-tête que tiveram Lamarck e Darwin no seu devido tempo e fundamentado no seu devido contexto. E sobre este último, o grupo, não mais é do que uma espécie de indivíduo médio, que é para o qual todos nós laboramos, dada a impossibilidade de tomar a individualidade de cada um, com todas as suas singularidades, e dissecar a sua apropriação da cultura. O indivíduo médio, curiosa criatura esta, que de certa forma controla as engrenagens do mundo, ou que por estas se deixa controlar, embora não tendo plena consciência disso, pode ser também descrito, com falhas de rigor, como, a maioria, ou ainda, numa sociedade de consumo, como, as massas. Tendo evoluído a palavra, para ser hoje pertencente ao género masculino, mas querendo, todavia, designar todo e qualquer espécime que se considere, o indivíduo, acrescentando-se a este o médio, não é ninguém, e, no entanto, é o que melhor representa o grupo. É para este que trabalham as marcas, e a julgar pelas caraterísticas que o individuo médio deve ter, ele será, sem grandes margens para dúvidas, destro. 
Entrar com o pé direito, embora não passando de uma frase feita, cuja origem e sentido primeiro já se encontram distantes dos nossos dias, mas, que no entanto, reflete esta vontade de fazer do direito um bom pé e um bom presságio para se entrar, física ou figurativamente, em algum lugar, também ele físico ou figurado. É de prever que não se obtenha trabalho tão bem feito se ao invés do pé direito, se entrasse com o esquerdo, pois nunca foi hábito conferir ao esquerdo uma competência e encargo que toda a vida pertenceu ao direito. A concordar com isto está certo que à pessoa da nossa maior confiança se dá o nome de braço direito e nunca, de braço esquerdo. E se deus não tem a mão esquerda, ou tendo-a, faz pouco uso dela, outros haverão, que deixam a direita a descansar e à esquerda dão os trabalhos maiores. 
Os casos não se esgotam por aqui, pois a estas juntam-se as expressões, pessoa às direitas para caraterizar alguém com comportamentos e atitudes de se dar valor. Ao azarento e agoireiro lado esquerdo associam-se, por exemplo, as expressões, um zero à esquerda ou ter dois pés esquerdos. Tanto uma como outra não são propriamente elogios. E a menos que estejamos a falar para um qualquer número entre zero e um, ou para um grande futebolista esquerdino, não é algo simpático de se ouvir. O lado esquerdo está relacionado ao evitável, e ao indesejado, não tivesse a palavra esquerdo como sinónimos, sinistro, desajeitado ou desastrado. Palavras que partilham com canhoto ou esquerdino o rol de significados e sinónimos para esquerdo, o que não me parece de todo justo.